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[Conteúdo] Como um famoso professor de Harvard tornou-se um alvo

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8 minutos de leitura

Por Michael Powell

Publicado em 15 de julho de 2020 no The News York Times.

Steven Pinker desempenha um papel raro na vida americana: o de celebridade intelectual. O professor de Harvard aparece nos pontos de venda da PBS para o podcast de Joe Rogan, traduzindo temas densos em ideias acessíveis com entusiasmo. Bill Gates considerou o seu livro mais recente “o meu novo livro favorito de todos os tempos”.

Assim, quando mais de 550 acadêmicos assinaram recentemente uma carta solicitando a sua remoção da lista de “pesquisadores renomados” da Sociedade Linguística da América, a acusação provocadora chamou atenção: esse professor Pinker minimiza as injustiças raciais e cala as vozes daqueles que sofrem violências sexistas e racistas.

Mas a carta era impressionante por outra razão: não visava o trabalho acadêmico do professor Pinker, mas sim seis tweets que datam de 2014, e uma frase de duas palavras que ele usou num livro de 2011 sobre uma suposta diminuição progressiva da violência através dos séculos.

“O Dr. Pinker tem um histórico de falas que deturpam informações sobre injustiças e acusações legítimas. Bem como sobre os momentos em que os negros se mobilizam contra o racismo sistêmico e pedem por mudanças cruciais”, declarou a carta.

Os linguistas exigiram que a sociedade revogasse o estatuto do professor Pinker de “pesquisador renomado” e retirassem o seu nome da lista de peritos em meios de comunicação social. O comitê executivo da sociedade recusou o pedido na semana passada, afirmando: “Não é missão da sociedade controlar as opiniões dos seus membros, nem a sua expressão”.

Mas uma acusação de insensibilidade racial tem poder no momento atual, e a carta soou como outro ataque aos movimentos culturais em erupção no meio acadêmico e editorial.

Ainda este mês, 153 intelectuais e escritores – muitos deles liberais – assinaram uma carta publicada pela Harper’s que criticava o atual momento intelectual como “constrangedor” e “intolerante”. Isso produziu uma resposta acalorada de escritores progressistas e de esquerda, que acusaram os escritores da carta da Harper’s de elitismo e hipocrisia.

Numa era de polarização de ideologias, o professor Pinker, linguista e psicólogo social, é difícil de apanhar/situar no espectro ideológico. Ele é um grande apoiador dos Democratas, e doou dinheiro ao ex-Presidente Barack Obama, mas ele também denunciou o que ele considera como “mentes fechadas” das universidades americanas fortemente liberais. Ele gosta de falar publicamente sobre questões paralelas, incluindo a questão das diferenças inatas entre os sexos e entre diferentes grupos étnicos e raciais. E ele sugeriu que a insistência da esquerda em certos temas polêmicos contribuiu para o aumento da extrema-direita.

Em sua casa no Cabo Cod, o professor Pinker, 65 anos, observou que, como membro do corpo docente e autor estabelecido, ele poderia resistir à campanha contra ele. Mas ele disse que poderia acalmar os professores mais jovens que têm opiniões contrárias às correntes intelectuais dominantes.

“Tenho uma mentalidade de que o mundo é um lugar complexo e que estamos tentando compreendê-lo”, disse ele. “Há um valor inerente à liberdade de expressão, porque ninguém conhece a solução dos problemas a priori”. Ele ainda descreveu os seus críticos como “policiais da fala” que “têm percorrido os meus escritos para encontrar passagens e adjetivos ofensivos”.

A carta contra Pinker foca principalmente na sua atividade no Twitter, onde tem cerca de 600.000 seguidores. Ela indica um tweet de 2015, de um artigo do The Upshot, a equipe focada em dados e análises do The New York Times, que sugeria que o elevado número de tiroteios policiais contra pessoas negras pode não ter sido causado por agentes policiais individuais, mas sim pela realidade estrutural e econômica que resulta em um número elevado de conflitos com pessoas negras.

“Dado: A polícia não mata negros de forma desproporcional”, o professor Pinker tweetou com um link para o artigo. “Problema: Não é a raça, mas demasiados disparos da polícia”.

A carta dos linguistas observava que o artigo deixava claro que os assassinatos pela polícia são um problema racial, e acusava o professor Pinker de fazer “alegações desonestas a fim de ofuscar o papel do racismo estrutural na violência da polícia”.

Mas o artigo também sugeria que, como cada encontro com a polícia gera perigo de conflito, qualquer grupo racial que interage diariamente com a polícia correria o risco de tornar-se vítima da violência policial, por causa de oficiais mal treinados, suspeitos armados ou reação exagerada. Esse parecia ser o ponto do tweet do professor Pinker.

A carta dos linguistas também acusava o professor de se envolver em falácias raciais quando ele usava as palavras “crime urbano” e “violência urbana” em outros tweets.

Mas nesses tweets, Pinker fez referência ao trabalho de estudiosos que são amplamente descritos como especialistas em criminalidade urbana, violência urbana e sua diminuição.

“A palavra ‘urbano’ parece ser uma escolha terminológica habitual no trabalho em sociologia, ciência política, direito e criminologia”, escreveu Jason Merchant, vice-reitor e professor de linguística na Universidade de Chicago, defendendo o professor Pinker.

Outra questão, dizem os críticos do professor Pinker, está em seu livro de 2011, “The Better Angels of Our Nature” (Os melhores anjos da nossa natureza):
Porque a violência diminuiu”. Numa descrição abrangente do crime e da decadência urbana e do seu efeito sobre a cultura dos anos 70 e 80, ele escreveu que “Bernhard Goetz, um engenheiro bem educado, tornou-se um herói popular por alvejar quatro jovens assaltantes num vagão do metro de Nova Iorque”.

A carta dos linguistas contestou com veemência as palavras “bem educado”, notando que o Sr. Goetz tinha falado em termos racistas de latinos e negros. Ele não era “bem educado”, ele tinha intenção de confronto, disseram eles.

A origem da carta ainda é um mistério. Dos 10 signatários contatados pelo The Times, apenas uma deu a entender que conhecia a identidade dos autores. Muitos dos linguistas mostraram-se tímidos, e desde que a carta apareceu pela primeira vez no
Twitter, em 3 de Julho, vários linguistas proeminentes disseram que os seus nomes tinham sido incluídos sem o seu conhecimento.

Vários presidentes de departamentos de linguística e filosofia assinaram a carta, incluindo o professor Barry Smith, da Universidade de Buffalo, e a professora Lisa Davidson, da Universidade de Nova Iorque. O Professor Smith não respondeu às tentativas de contato e recusou-se a comentar quando o The Times o encontrou.

Sugeriu também que a sub-representação nas ciências poderia ser explicada, em parte, pelas diferenças biológicas entre homens e mulheres. (Defendeu Lawrence Summers, o antigo presidente de Harvard que em 2005 especulou que as diferenças inatas entre os sexos poderiam, em parte, explicar porque menos mulheres são bem sucedidas em carreiras científicas e matemáticas. A observação do Sr. Summers enfureceu algumas mulheres cientistas e esteve entre várias controvérsias que levaram à sua demissão no ano seguinte).

E o professor Pinker cometeu erros de alto nível, como quando forneceu a sua perícia em linguagem para a defesa de 2007 do financiador Jeffrey Epstein, sobre as acusações de tráfico sexual. Ele disse que o fez sem custos e a pedido de um amigo, o professor de direito de Harvard Alan Dershowitz, e lamenta-o.

O choque pode também refletir o fato de que a perspectiva cor-de-rosa do professor Pinker – ele argumenta que o mundo está a tornar-se um lugar melhor, em quase todas as áreas, da pobreza à alfabetização – parece discordante neste doloroso momento nacional de ajuste de contas, com as cicatrizes abertas do racismo e da desigualdade.

A sociedade dos linguistas, como muitas organizações acadêmicas e sem fins lucrativos, lançou recentemente uma vasta gama de declarações apelando a uma maior diversidade na área. Também exortou os linguistas a confrontar a forma como seus trabalhos “poderia reproduzir ou trabalhar contra o racismo”.

John McWhorter, professor de inglês e linguística da Universidade de Columbia, lançou a controvérsia de Pinker num momento em que, disse ele, os progressistas olham com desconfiança para alguém que não abraça a política de identidade racial e cultural.

“Steve é demasiado grande para ser afetado por essa celeuma”, disse o Professor McWhorter. “Mas é deprimente que um erudito e estudioso seja visto por muitas pessoas inteligentes como um monstro disfarçado”.

Como se trata de uma luta que envolve linguistas, apresenta alguns elementos esperados: argumentos intensos sobre redação imprecisa e put-downs intelectuais manhosos. O professor Pinker pode ter inflamado os assuntos quando sugeriu, em resposta à carta, que os signatários não tinham reputação. “Reconheço apenas um nome entre os
signatários”, tweetou ele. Byron T. Ahn, professor de linguística em Princeton, escreveu num tweet que tal argumento equivalia a “uma espécie de ataque indireto ad hominem“.

Os linguistas insistiram que não tentavam censurar o professor Pinker. Em vez disso, tinham a intenção de mostrar que tinha sido enganoso e reproduzido falácias raciais, e assim, seria um representante desonesto para a linguística.

“Qualquer ação resultante desta carta pode tornar claro aos estudiosos negros que a L.S.A. é sensível ao
impacto que tweets deste tipo têm na manutenção de estruturas que deveríamos tentar destruir”, escreveu o Professor David Adger, da Queen Mary University of London no seu site.

Essa linha de argumentação deixou o Professor McWhorter, um signatário da carta em Harper’s, exasperado.

“Estamos neste momento que é como um mic drop coletivo, mas a civilidade e o senso comum saem pela janela”, ele disse. “Basta de chorar por racismo ou sexismo, e ponto final”.

Correção: 15 de Julho de 2020

Uma versão anterior desse artigo escreveu incorretamente o nome da pessoa descrita como “um bem educado engenheiro” no livro de Steven Pinker “The Better Angels of Our Nature”: Why Violence Has Declineded”. Ele era Bernhard Goetz, não Bernard Goetz.


Traduzido do inglês por WALMIR GOES.

Fonte: The New York Times

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