Um dos maiores serviços prestados por Marx à Economia Política teórica foi o seu modo de expor o problema da reprodução do capital social em conjunto. É significativo que na história da Economia Política somente apareçam duas tentativas de exposição exata deste problema: no começo, a do pai da escola fisiocrática, Quesnay e, no final, a de Karl Marx. Durante o período intermediário, o problema não deixou de preocupar a Economia Política burguesa, porém esta não chegou sequer a expô-lo em sua pureza, separado dos problemas semelhantes que com ele se cruzam, nem muito menos a resolvê-lo. Não obstante, dada a importância fundamental desse problema, cabe afirmar até certo ponto que somente levando em conta essas tentativas é possível seguir em geral as vicissitudes da ciência económica. Em que consiste o problema da reprodução do capital social? Reprodução, no sentido literal da palavra, é simplesmente produção nova, repetição, renovação do processo de produção. E, à primeira vista, parece que não se vê a necessidade de distinguir o conceito de reprodução do conceito de produção, para todos compreensível, nem por que se deve empregar para designá-lo uma expressão especial. Mas, justamente, a repetição, a renovação constante do processo de produção é que comporta um elemento especial, muito importante. Em primeiro lugar, a repetição regular da produção é a base e a condição geral do consumo regular e, portanto, da existência cultural da sociedade humana em todas as suas formas históricas. Nesse sentido, o conceito da reprodução encerra um elemento histórico cultural. A produção não poderia repetir-se, a reprodução não poderia ocorrer, se, como resultado dos períodos de produção anteriores, não ficassem de pé determinadas condições tais como instrumentos, matérias-primas, força de trabalho. Mas, nas fases primitivas da civilização, quando o homem começa a dominar a natureza exterior, essa possibilidade de renovar a produção depende em maior ou menor escala do acaso. Enquanto a caça e a pesca constituem a base principal da existência da sociedade, a repetição regular da produção vê-se frequentemente interrompida por períodos de fome geral. Em alguns povos primitivos, os requisitos para que a reprodução seja um processo regular repetido encontram muito cedo expressão tradicional e socialmente obrigatória em certas cerimónias de caráter religioso. Assim, segundo as minuciosas investigações de Spencer e Gillen, o culto dos totens dos negros australianos não é, no fundo, mais que a tradição cristalizada em cerimónias religiosas de certas medidas, repetidas regularmente desde tempos imemoriais, para aquisição e conservação de sua subsistência animal e vegetal. Somente o cultivo da terra, a utilização dos animais domésticos e o rebanho para fins de alimentação tornam, porém, possível a alternativa regular de produção e consumo, que constituem a nota característica da reprodução. Nesse sentido, o conceito da reprodução encerra algo mais que a mera repetição; ele já implica certo nível no domínio da natureza exterior pela sociedade ou, em termos económicos, certo nível na produtividade do trabalho. Por outro lado, o processo da produção é, em todos os graus da evolução social, uma unidade formada por dois elementos distintos, embora intimamente relacionados: as condições técnicas e as sociais, isto é, da relação dos homens com a natureza e das relações dos homens entre si. A reprodução depende em igual grau de ambos os fatôres. Já dissemos até que ponto ela se acha subjugada às condições técnicas do trabalho humano e resulta de certo nível da produtividade do trabalho. Não menos decisivas são, porém, as formas sociais de produção dominante. Numa tribo agrária comunista primitiva, a reprodução e todo o plano da vida económica correrão a cargo do conjunto total dos que trabalham e de seus órgãos democráticos. A decisão de começar os trabalhos, sua organização, a busca de condições preliminares – matérias-primas, instrumentos e forças de trabalho e, finalmente, a fixação das dimensões e distribuição da reprodução – resultam da colaboração organizada de todos dentro da comunidade. Numa exploração à base de escravos ou num feudo senhorial, a reprodução é imposta à força e está regulamentada em todos os seus detalhes pelo regime de domínio pessoal, regime que não conhece outra fronteira além do direito do chefe ou do senhor, dispondo sobre maior ou menor quantidade de força de trabalho alheias. Na sociedade organizada à base da produção capitalista, a reprodução apresenta um aspecto completamente peculiar, como se pode verificar à simples vista de certos fenómenos. Em todas as demais formas de sociedade historicamente conhecidas, a reprodução se processa regularmente na medida em que as condições permitem, isto é, em que existam os meios de produção e as forças de trabalho necessários. Só influências exteriores – uma guerra devastadora ou uma grande peste, que despovoam ou provocam o aniquilamento em massa da força de trabalho interrompem nas civilizações antigas a reprodução, durante períodos mais ou menos longos. Fenómenos semelhantes ocorrem em parte ou podem ocorrer quando se determina o plano da produção despoticamente. Quando o capricho de um faraó do antigo Egito acorrentava, durante anos e anos, milhares de felás à empresa de levantar pirâmides ou quando, no Egito moderno, um Ismael Paxá manda 20.000 felás trabalhar como servos no canal de Suez, ou quando o Imperador Chihoang-ti, fundador da dinastia Tsin, 200 anos antes da era cristã, deixava morrer, de fome e esgotamento, 400.000 homens e punha uma geração inteira para levantar a Grande Muralha da China, na fronteira setentrional de seu império, grande extensão de terra ficava sem cultivo e a vida económica normal se interrompia durante longos anos. Mas essas interrupções do processo de produção decorriam, em geral, da intervenção arbitrária de um indivíduo. Nas sociedades capitalistas, as coisas ocorrem de outro modo. Durante certas épocas, vemos que, embora havendo todos os meios materiais de produção e todas as forças de trabalho necessárias para levar a cabo a reprodução, as necessidades da sociedade ficam insatisfeitas, a reprodução se interrompe totalmente ou só se desenvolve dentro de limites reduzidos. Aqui, a responsabilidade pelas dificuldades em que tropeça o processo da reprodução não provém das intromissões despóticas de ninguém na vida económica. Longe disso, a reprodução nesses casos não depende somente das condições técnicas, mas de uma condição puramente social: a de que se produzam aqueles artigos que podem contar com a segurança absoluta de encontrar comprador, de ser trocados por dinheiro, e não de qualquer modo, mas com um lucro de tipo usual. O lucro como fim útil e determinante é, pois, o fator que preside, nessa sociedade, não só a produção, mas também a reprodução, não só o processo de trabalho e distribuição dos produtos, mas também a questão de saber a dimensão, o alcance e o sentido em que o processo de trabalho há de renovar-se, uma vez terminado o período anterior de trabalho. ”Se a produção apresenta forma capitalista, apresenta-a também, necessariamente, a reprodução.” O processo de reprodução da sociedade capitalista torna-se, devido ao seu caráter puramente histórico, um problema muito singular e complexo. Já nas expressões externas do processo de reprodução capitalista percebe-se a sua peculiaridade histórica específica total, porquanto abrange não somente a produção, mas também a circulação (processo de troca), unindo-as num todo. A produção capitalista é essencialmente uma produção de incontáveis produtores privados sem plano regulador algum, sendo a troca a única ligação social que os vincula. Portanto, para a determinação das necessidades sociais, a reprodução só pode contar com as experiências do período de trabalho anterior; essas experiências, porém, são particulares, de produtores individuais que não chegam a constituir uma expressão social geral. Não são experiências positivas e diretas sobre as necessidades da sociedade, mas experiências indiretas e negativas, que unicamente permitem, partindo do movimento dos preços, tirar conclusões sobre o excesso ou carência dos produtos elaborados em relação com a demanda. A reprodução se renova sempre pelos produtores privados, aproveitando essas experiências extraídas do período de produção anterior. Assim, no período seguinte só pode verificar-se, igualmente, um excesso ou uma falta, seguindo cada ramo da produção seu próprio caminho, podendo resultar em excesso em uns e escassez em outros. Levando em conta, sem dúvida, a mútua dependência técnica de quase todos os ramos da produção, um aumento CTI uma diminuição dos valores de uso produzidos em alguns dos grandes ramos diretores provoca o mesmo fenómeno na maior parte dos restantes. Assim, ocorre que regularmente uma superabundância geral sucede a uma falta geral de produtos em relação com a demanda da sociedade. Tudo isso faz que a reprodução na sociedade capitalista adote uma forma peculiar, diferente de todos os tipos históricos de produção que a precederam. Em primeiro lugar, cada um dos ramos produtivos realiza um movimento até certo ponto independente que, de tempos em tempos, provoca interrupções mais ou menos longas na reprodução. Em segundo lugar, os desvios da reprodução em diversos ramos com respeito às necessidades sociais se somam numa crise geral, provocando, periodicamente, uma interrupção geral da reprodução. A reprodução capitalista oferece, portanto, uma fisionomia muito peculiar. Enquanto a reprodução, em qualquer das formações económicas anteriores – sem considerar as violentas intervenções externas – transcorre como um círculo sem interrupção, uniforme, a reprodução capitalista só pode ser representada – para empregar uma conhecida expressão de Sismondi – como uma série contínua de espirais, cujas curvas, pequenas a princípio, aumentam cada vez mais e se tornam consideràvelmente grandes, no final, quando se verifica uma contração e a próxima espiral começa de novo com curvas pequenas, para percorrer o mesmo ciclo, até que este se interrompa. A periodicidade com que ocorrem a maior extensão da reprodução e sua contração e interrupção parcial, isto é, o que se designa como o ciclo periódico de restabelecimento ou conjuntura baixa, prosperidade ou conjuntura alta e crise, é a peculiaridade mais evidente da reprodução capitalista. É muito importante, porém, determinar, antecipadamente, que, se a periodicidade de conjunturas de prosperidade e de crise representa um elemento importante da reprodução, ela não constitui o problema da reprodução capitalista em sua essência. As alternativas periódicas de conjuntura ou de prosperidade e de crise são as formas específicas que adota o movimento no sistema capitalista, mas não o próprio movimento. A fim de expor em seu verdadeiro aspecto o problema da reprodução capitalista, temos que prescindir, pelo contrário, das alternativas periódicas de prosperidade e de crise. Por estranho que pareça, esse é um método perfeitamente racional. Mais ainda: o único método científico possível de investigação. Para focalizar e resolver, em sua pureza, o problema do valor temos que prescindir das oscilações dos preços. Vemos que a economia vulgar trata sempre de resolver o problema do valor com base nas oscilações da oferta e da procura. A Economia clássica, de Smith a Marx, pelo contrário, demonstrou que as oscilações interdependentes entre a oferta e a procura só podem explicar como o preço se desvia do valor, mas não o próprio valor. Para encontrar o valor das mercadorias, temos que abordar o problema, supondo que a oferta e a procura se equilibram, isto é, que o preço e o valor das mercadorias coincidem. O problema científico do valor, portanto, começa justamente ali onde cessa a ação da oferta e da procura. O mesmo sucede com o problema da reprodução do capital social no seu conjunto. As conjunturas de prosperidade e de crise periódicas fazem que a reprodução capitalista via de regra, oscile em torno das necessidades e do poder aquisitivo da sociedade, afastando-se delas algumas vezes por cima e outras vezes por baixo e chegando quase à paralisação total do processo. Quando se toma, entretanto, um período considerável, todo um ciclo com diferentes conjunturas de prosperidade e de crise, ou seja, de suprema tensão da reprodução e de relaxamento e interrupção, vemos que se equilibram, e a média do ciclo nos dá a magnitude média da reprodução. Essa média não é só um produto mental, teórico, mas também um fato real, objetivo. Pois, apesar das intensas oscilações das conjunturas, apesar das crises, as necessidades da sociedade se satisfazem bem ou mal, a reprodução segue o seu caminho ondulante e as forças produtivas se desenvolvem cada vez mais. Como isso se realiza, se prescindimos das alternativas de crises e de prosperidade? Aqui começam as dificuldades. Alguns tentam resolver o problema da reprodução tomando como ponto de partida a periodicidade das crises, o que é próprio, no fundo, da economia vulgar, assim como a tentativa de resolver o problema do valor pelas oscilações da oferta e da procura. Não obstante, veremos como os economistas mostram sempre, sem perceber o seu erro, a tendência para englobar no problema da crise o problema da reprodução, limitando a perspectiva e afastando-se da solução. Quando falarmos, adiante, da reprodução capitalista, deve-se entender sempre a média resultante das oscilações ocorridas dentro de um ciclo. A produção capitalista realiza-se através de um número ilimitado e corrente de produtores particulares, independentes, sem nenhum controle social, salvo a observância das oscilações dos preços, e sem outro nexo além da troca de mercadorias. Como resulta realmente desses movimentos incontáveis e desconexos a produção total? Ao colocar assim a questão – e esta é a primeira forma sob a qual se apresenta o problema – esquece-se que, nesse caso, os produtores privados não são meros produtores de mercadorias, senão produtores capitalistas, do mesmo modo que a produção total da sociedade não é uma produção dirigida, em geral, para a satisfação das necessidades de consumo nem uma simples produção de mercadorias, mas, sim, produção capitalista. Vejamos que alterações no problema implica esta omissão. O produtor, que não somente produz mercadorias mas também capital, está obrigado a produzir, antes de tudo, maisvalia. A mais-valia é o fim último e o motivo que impulsiona o produtor capitalista. As mercadorias elaboradas, uma vez vendidas, não só devem fornecer aquele capital antecipado, mas um excedente sobre ele, uma quantidade de valor a que não corresponde gasto algum de sua parte. Do ponto de vista dessa criação de mais-valia, independentemente das fábulas que invente para si e para o resto do mundo sobre capital fixo e capital circulante, o capital adiantado pelo capitalista se divide em duas partes: uma, que representa seus gastos em meios de produção, locais de trabalho, matérias-primas, auxiliares etc.; outra, que se inverte em salários. A primeira parte, que, mediante o processo de trabalho, transfere sem alteração seu valor ao produto, Marx denomina capital constante. A segunda, que se avoluma, com apropriação de trabalho nãopago, criando mais-valia, chama-se capital variável. A partir desse ponto de vista, a composição do valor de toda mercadoria produzida no sistema capitalista corresponde normalmente à fórmula: c + v + m c expressando o valor do capital constante, isto é, a parte de valor incorporada à mercadoria pelo trabalho objetivado, a força de trabalho contida nos meios de produção; v o capital variável, isto é, a parte do capital investida em salários; m, a mais-valia (Mehrwert), o aumento de valor procedente da parte não-paga do trabalho assalariado. As três partes do valor acham-se reunidas na figura concreta da mercadoria produzida, considerando-se como unidade cada um dos exemplares, assim como a massa total de mercadorias, sejam elas tecidos de algodão ou representações de ballet, tubos de ferro ou jornais liberais. A produção de mercadorias não constitui um fim para o produtor capitalista, e sim um meio para apropriar-se da mais-valia. Mas enquanto a mais-valia permanece contida na forma concreta da mercadoria, ela é inútil para o capitalista. Depois de produzi-la, ele necessita realizá-la, transformá-la em sua expressão de valor, ou seja, em dinheiro. Para que isso aconteça, e o capitalista se aproprie da mais-valia, em sua forma de dinheiro, todo o capital antecipado deve perder a forma de mercadoria e voltar a ele em forma de dinheiro. Só então, quando a massa total de mercadorias for trocada, conforme seu valor, por dinheiro, conseguir-se-á o fim da produção. A fórmula c -\- v -j- m que antes se referia à composição quantitativa do valor das mercadorias se aplica agora do mesmo modo ao dinheiro obtido com sua venda: uma parte (c) restitui ao capitalista suas despesas em meios de produção consumidos, outra parte (v) suas despesas em salários, a terceira parte (m) representa o restante esperado, isto é, o ”lucro líquido” em espécie do capitalista. Essa transformação do capital, de sua forma original – que constitui o ponto de partida de toda produção capitalista – em meios de produção inanimados e vivos (isto é, matérias-primas, instrumentos e mão-de-obra, através do processo produtivo); destes em mercadorias, mediante a incorporação do trabalho vivo, e, finalmente, em dinheiro, por meio do processo de troca, numa quantidade ainda maior que a lançada à circulação na etapa inicial; essa rotação do capital não apenas é necessária para a produção e apropriação da mais-valia. A verdadeira finalidade e impulso motriz da produção capitalista não é conseguir maisvalia em geral, numa só apropriação, em qualquer quantidade, mas de forma ilimitada, em quantidade crescente. Isso, porém, não pode realizar-se mais que pelo meio mágico enunciado: pela produção capitalista, isto é, pela apropriação de trabalho assalariado não-pago no processo de produção das mercadorias e pela venda das mesmas. É por isso que a produção constantemente renovada, a reprodução como fenómeno regular, constitui, na sociedade capitalista, um elemento totalmente novo, desconhecido nas formações económicas anteriores. Em todos os demais modos de produção historicamente conhecidos, o elemento determinante da reprodução são as necessidades da sociedade, sejam estas as necessidades de consumo, da totalidade dos trabalhadores, democraticamente estabelecidas numa cooperativa agrária comunista, ou as necessidades de uma sociedade de classes antagónicas, de uma economia baseada na escravidão, num feudo despoticamente criado etc. No sistema capitalista, o produtor individual – e somente dele aqui se trata – não considera as necessidades da sociedade, sua capacidade de consumo. Para ele só existe a demanda com poder aquisitivo e este unicamente como fator imprescindível para a realização da mais-valia. Por tudo isso, a produção de mercadorias para o consumo, que satisfaçam as necessidades permitidas pelo poder aquisitivo da sociedade, é um mandato iniludível para o capitalista individual, obrigando-o a renovar Nesta exposição supomos que a mais-valia é idêntica ao lucro do empresário, o que é certo com referência à produção total, que é a que unicamente nos interessa em seguida. Também prescindimos da divisão da mais-valia em seus elementos: lucro do empresário, juros do capital, renda da terra, já que carece de importância para o problema da reprodução. constantemente a produção; mas é também um desvio do ponto de vista do impulso motriz propriamente dito, que é, repetimos, a realização da mais-valia. O roubo da mais-valia, trabalho nãopago, é o que na sociedade capitalista faz da reprodução em geral um perpetuum mobile. De outro lado, a reprodução, cujo ponto de partida no sistema capitalista é sempre o capital, e o capital em sua forma pura de valor, isto é, em sua forma de dinheiro, só pode seguir seu curso quando os produtos do período anterior, as mercadorias, se transformam por sua vez em dinheiro, mediante a venda. Para os produtores capitalistas, portanto, a primeira condição do processo reprodutivo é a realização das mercadorias fabricadas no período de trabalho anterior. Focalizemos agora outro aspecto substancial do problema. A determinação da grandeza do processo reprodutivo depende – no sistema económico capitalista – do arbítrio e do critério do empresário individual. Seu impulso é a apropriação da maisvalia em progressão geométrica. Dessa forma, maior rapidez na apropriação da mais-valia só é possível em virtude de um incremento na produção capitalista que a cria. Na produção de mais-valia, a grande empresa encontra-se em todos os sentidos em posição vantajosa diante da pequena empresa. Assim o sistema capitalista não só gera uma tendência permanente à produção geral, mas também ao incremento constante do processo reprodutivo, renovando-se a produção em escala sempre crescente. Há algo mais. No sistema capitalista não é só a busca da mais-valia em si o que impulsiona incessantemente a reprodução. O processo reprodutivo transforma-se numa exigência, numa condição de existência económica iniludível para os capitalistas individuais. Sob o regime da concorrência, a mais importante arma do capitalista individual, em sua luta pelo mercado, é o barateamento das mercadorias. Mas todos os métodos duradouros para abaixar os custos de produção das mercadorias – que não conseguem, pela redução dos salários ou pelo prolongamento da jornada de trabalho, um aumento da mais-valia e podem tropeçar com diversos obstáculos – resolvem-se numa ampliação da produção. Quer se trate de poupar instalações e instrumentos, quer de usar meios de produção de maior rendimento, quer de substituir em grande escala o trabalho manual por máquinas, quer de aproveitar rapidamente uma oportunidade favorável do mercado para adquirir matérias-primas baratas, em todos os casos a grande empresa oferece vantagens diante da pequena e da média. Essas vantagens aumentam proporcionalmente à extensão da empresa. Por essa razão a própria concorrência impõe às outras empresas, necessariamente, um progresso análogo ao realizado por uma parte das explorações capitalistas ou, pelo contrário, as condena ao enfraquecimento e extinção. Resulta assim uma tendência incessante a ampliar a reprodução que se estende mecanicamente, como as ondas, sobre toda a superfície da produção privada. Para o capitalista individual o incremento da reprodução ocorre quando uma parte da mais-valia apropriada, que se acumula, se transforma em capital. A acumulação, ou seja, a transformação da mais-valia em capital ativo, é a expressão capitalista da reprodução ampliada. A reprodução ampliada não é uma invenção do capital. Constitui uma regra desde a antiguidade, em toda formação social histórica, na qual se verifica um progresso económico e cultural. A reprodução simples – a simples repetição invariável e constante do processo produtivo – é certamente possível e podemos observá-la durante longos períodos da evolução social. Assim, por exemplo, nas comunidades agrárias, primitivas, o crescimento da população equilibra-se não pelo aumento gradual da produção, mas pela emigração periódica, criação de novas comunidades, igualmente reduzidas e auto-suficientes. Igualmente, na índia ou China, as antigas oficinas de artesãos oferecem o exemplo de uma repetição tradicional do processo produtivo, adotando idêntica forma e amplitude através das gerações. Mas em todos esses casos a reprodução simples é um índice do estancamento económico e cultural predominante. Todos os progressos decisivos do processo de trabalho e os monumentos de civilizações mortas, como as grandes obras hidráulicas do Oriente, as pirâmides egípcias, as estradas militares romanas, as artes e ciências gregas, o desenvolvimento dos ofícios e as cidades da Idade Média, seriam impossíveis sem uma reprodução ampliada, pois só o aumento gradual da produção, em maior escala que o das necessidades imediatas, e o crescimento constante da população e de suas necessidades, criam a base económica, que é pré-requisito indispensável para todo progresso cultural. Particularmente a troca, e com ela o aparecimento da sociedade dividida em classes e seus progressos históricos, até o aparecimento do sistema capitalista, tudo isso seria inconcebível sem reprodução ampliada. Na sociedade capitalista, porém, incorporam-se à reprodução ampliada alguns caracteres novos. Em primeiro lugar, ela se converte, como já se disse, numa exigência iniludível para o capitalista individual. A reprodução simples e, inclusive, o retrocesso na reprodução não se excluem, certamente, do sistema de produção capitalista. Antes constituem momentos em toda crise, depois das tensões, igualmente periódicas, e da reprodução ampliada na conjuntura máxima. O movimento geral da reprodução por cima das oscilações e alternativas cíclicas tende para a ampliação incessante. A impossibilidade de marchar no compasso desse movimento geral significa, para o capitalista, a eliminação da luta pela concorrência, a bancarrota. Estudemos outro ângulo da questão. Em todas as formações sociais em que predomine ou exista, com toda a sua força, uma economia natural – numa comunidade agrária da índia, numa cidade romana escravista, ou num domínio feudal da Idade Média – o conceito e o fim da reprodução ampliada baseiam-se na quantidade de produtos, na massa dos artigos de consumo produzidos. O consumo como fim domina a extensão e o caráter tanto do processo de trabalho em particular quanto da reprodução em geral. No sistema capitalista, pelo contrário, a produção não visa, essencialmente, à satisfação das necessidades: seu objetivo imediato é a criação do valor que domina em todo o processo da produção e da reprodução. A produção capitalista não é produção de artigos de consumo nem de mercadorias em geral, porém de mais-valia. Portanto, para os capitalistas, reprodução significa o incremento da produção de mais-valia. É certo que a produção de mais-valia se realiza sob a forma de produção de mercadorias e, em última análise, de produção de artigos para o consumo. Na reprodução, entretanto, esses dois pontos de vista – o da produção de maisvalia e o da produção de artigos para o consumo – separam-se constantemente da produtividade do trabalho. A mesma grandeza de capital e de mais-valia existirá aumentando-se a produtividade numa quantidade maior de artigos de consumo. O incremento do processo produtivo e a produção de maior massa de valores de uso ainda não são, por si sós, reprodução no sentido capitalista. Contrariamente, o capital pode, até certos limites, conseguir maior mais-valia, sem alterar a produtividade do trabalho, intensificando o grau de exploração – baixando, por exemplo, os salários – sem aumentar a quantidade de produtos. Neste como naquele caso, porém, também se cria o necessário à reprodução ampliada, a saber: mais-valia, tanto como dimensão de valor quanto como qualidade de soma de meios materiais de produção. Geralmente se consegue o aumento de produção de mais-valia investindo-se mais capital, isto é, transformando-se em capital uma parte da mais-valia apropriada.
Fonte: LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do capital – Estudo sobre a interpretação econômica do imperialismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.
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