Por José Roberto Castro
A maior crise do sistema financeiro global em oito décadas começou há dez anos. Olhando em retrospectiva, depois de o desastre já consumado, é possível ver que o mercado já dava sinais de fragilidade algum tempo antes de 2008. Mas foi quando o banco de investimentos Lehman Brothers decretou falência, na madrugada de 15 de setembro, que o mundo começou a perceber o tamanho do problema que se aproximava.
O Lehman Brothers tinha 158 anos de história e era um dos maiores bancos de investimentos dos Estados Unidos. Ao falir, ele colocou em dificuldades uma série de outros bancos, empresas e investidores e gerou uma reação em cadeia. A crise financeira de 2008 é considerada a mais grave desde a quebra da Bolsa de Nova York em 1929.
A crise que tem origem no setor imobiliário, de início, deixou 20 milhões de pessoas sem casa nos Estados Unidos. Mas suas consequências, amplificadas pelo mercado financeiro, foram ainda maiores. Em todo o mundo, centenas de milhões de pessoas perderam o emprego nos anos seguintes.
A crise em 6 passos
1_ O EMPRÉSTIMO
A base de toda a crise de 2008 são os financiamentos concedidos para compra de imóveis nos Estados Unidos. Com a economia indo bem e os juros baixos, aumentavam os empréstimos para financiar habitação. A demanda era alta e o preço dos imóveis só subia, o que tornava o negócio atrativo para os bancos. Na pior das hipóteses, eles ficariam com as casas dos inadimplentes e, com a valorização dos imóveis, o negócio parecia bom.
2_ O INCENTIVO AO CRÉDITO ARRISCADO
Os funcionários recebiam bônus pela quantidade de operações que fechavam, sem se responsabilizar pelo resultado. Assim, eles tinham um incentivo para fornecer cada vez mais crédito, para um número cada vez maior de pessoas. Inclusive para gente que já tinha contratado outros empréstimos.
3_ O DIREITO A RECEBER
O primeiro banco, aquele que negociava com o consumidor, transformava os créditos imobiliários a receber em títulos. Em um mecanismo ainda comum no mercado, o banco vendia o direito de receber pela hipoteca. Por exemplo: se um americano ia pagar US$ 10 mil dólares de financiamento ao longo de cinco anos, o banco vendia o direito de receber esse dinheiro por (hipotéticos) US$ 8 mil à vista. O investidor que comprou, receberiar esses US$ 2 mil de juros ao longo do tempo.
4_ A SECURITIZAÇÃO DAS HIPOTECAS
Bancos de investimento, como o Lehman Brothers, pegavam vários desses créditos imobiliários e os agregavam, montando grandes pacotes que eram vendidos em pedaços a investidores diversos. Transformavam-se em papéis de dívida com a garantia dos imóveis por trás. Quem comprava essas cotas eram investidores de todo o tipo, desde investidores individuais até grandes fundos de pensão. Os papéis ofereciam rentabilidade alta. Quanto maior o risco de crédito dos hipotecários maiores eram as taxas de juros oferecidas.
5_ O RISCO DOS TÍTULOS E AS AGÊNCIAS
Esses títulos eram considerados seguros, com retorno garantido porque, historicamente, nunca tinham dado problema. Por isso, seguradoras aceitavam garantir esses títulos recebendo pequenas quantias para indenizar investidores em caso de problemas. A confiança de todo mundo que comprava esses títulos vinha também das agências de classificação de risco – empresas privadas que existem para classificar a chance de calote – que davam nota máxima aos papéis. Depois do estouro da crise, descobriu-se que havia uma relação de conflito de interesses entre elas e os bancos.
6_ A CRISE
Em um primeiro momento, parte dos empréstimos deixaram de ser pagos, e os bancos começaram a executar as garantias tomando os imóveis. Com esse movimento ocorrendo, o preço dos imóveis, que sempre subiu, passou a cair. Os títulos que pareciam dar retornos garantidos perderam valor. Tudo acontecia ao mesmo tempo e os papéis, já sabidamente sem valor (títulos podres), continuaram sendo revendidos, incluídos em pacotes e recebendo notas altas. O mecanismo só parou de rodar quando o Lehman Brothers faliu.
O socorro e as consequências
O Lehman Brothers faliu, mas os governos, principalmente o dos Estados Unidos, precisaram salvar outros bancos e empresas. Todo o processo foi potencializado pela grande alavancagem dos bancos, ou seja, vários dos agentes tinham apenas uma parte da quantia que deviam. Como vários agentes econômicos tinham dívidas entre si, a inadimplência das hipotecas gerou uma reação em cadeia.
A falência de algumas das maiores companhias do mundo, como as montadoras General Motors e Crysler, a seguradora AIG e o banco de investimentos Bear Stearns, foi evitada com dinheiro do contribuinte. O plano de socorro do governo de George W. Bush chegou a R$ 2,6 trilhões.
Os governos dos países desenvolvidos começaram também a usar seu poder para evitar uma catástrofe ainda maior. Nas grandes economias, os governos ampliaram os investimentos e os bancos centrais reduziram juros para incentivar a atividade econômica.
Outra medida foi o chamado “quantitative easing”, que consiste na ampliação da quantidade de dinheiro em circulação. O FED aumentou significativamente a chamada base monetária, para incentivar o investimento e o consumo. Antes da crise de 2008, os EUA tinham cerca de US$ 800 bilhões em circulação. No fim de 2013, o valor chegou a mais de US$ 3,5 trilhões.
Com mais dinheiro no mercado e os juros muito baixos nos Estados Unidos, o dólar se desvalorizou e isso teve consequências em todo o mundo. Inclusive no Brasil.
A economia do Brasil
A crise financeira de 2008 aconteceu em um momento em que a economia do Brasil crescia, gerava emprego e o governo tinha bons índices nas contas públicas. Mas um abalo em uma economia do tamanho da dos Estados Unidos afeta o mundo todo.
O governo à época, de Luiz Inácio Lula da Silva, apostou em instrumentos parecidos com os usados pelos países desenvolvidos e incentivou a economia. Ficou famosa a frase do presidente Lula de que a crise no Brasil seria apenas uma “marolinha”. O país teve problemas em 2009, com uma leve retração no PIB, mas cresceu 7,5% em 2010. Ficou conhecido como o primeiro a sair da crise.
O mundo hoje
Dez anos depois, os Estados Unidos estão em um processo de retirada dos estímulos implantados naquela época. Os juros estão subindo e o dólar se valorizando, o pleno emprego voltou e a economia cresce. A Europa também vai se recuperando, com exceção de alguns países como a Grécia.
O Brasil, que em um primeiro momento sentiu muito menos o impacto da crise, está em situação bem pior. Depois de dois anos e meio em recessão, em que a economia chegou a encolher 8%, o país vem tendo um crescimento lento, com desemprego alto.
No aniversário de dez anos da falência do Lehman Brothers, economistas e agentes de regulação de todo o mundo rediscutem as causas daquele colapso e avaliam o quão seguro é o sistema financeiro global atualmente.
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FONTE: nexojornal.com.br