logo-circuito-ubu.svg

[Conteúdo] Há mundo por vir? (trecho)

|

3 minutos de leitura

Por Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro

GAIA E ANTHROPOS

      A história humana já conheceu várias crises, mas a assim chamada “civilização global”, nome arrogante para a economia capitalista baseada na tecnologia dos combustíveis fósseis, jamais enfrentou uma ameaça como a que está em curso. Não estamos falando apenas do aquecimento global e das mudanças climáticas. Em setembro de 2009, a revista Nature publicou um número especial em que diversos cientistas, coordenados por Johan Rockstrom, do Stockholm Resilience Centre, identificaram nove processos biofísicos do Sistema Terra e buscaram estabelecer limites para esses processos, os quais, se ultrapassados, acarretariam alterações ambientais insuportáveis para diversas espécies, a nossa entre elas: mudanças climáticas, acidificação de oceanos, depleção do ozônio estratosférico, uso de água doce, perda de biodiversidade, interferência nos ciclos globais de nitrogênio e fósforo, mudança no uso do solo, poluição química, taxa de aerossóis atmosféricos. Os autores advertiam, à guisa de conclusão, que “não podemos nos dar ao luxo de concentrar nossos esforços em nenhum desses processos isoladamente. Se apenas um limite for ultrapassado, os outros também correm sério risco”. Acontece que, ainda segundo os autores, podemos já ter saído da zona de segurança de três destes processos – taxa de perda da biodiversidade, a interferência humana no ciclo de nitrogênio e as mudanças climáticas – e estamos perto do limite de três outros – uso de água doce, mudança no uso da terra, e acidificação dos oceanos.

[…]

      “Governança”, “recursos”, “serviços ambientais”… Sobre não nos agradar esta linguagem gerencial que pontua o texto, associada aliás à noção de “sustentabilidade” (que, diríamos de nossa parte,  “pode ser um instrumento útil eme cala local, mas é uma ficção em escalas maiores”), não podemos de deixar de chamar a atenção para a naturalidade com que se mantém a imagem dicotomizante do “local versus global”, justamente um dos aspectos mais fortemente questionados, objetivamente, pela crise planetária. Seria lamentável se, mais uma vez, terminássemos assistindo à reconstituição do dualismo Natureza/cultura através dos gestos mesmos que o denunciam como insubsistente, como os cientistas naturais mesmerizados pelos “parâmetros geofísicos” e equipados com uma noção de “humanidade”vaga e de escassa eficácia política, enquanto os cientistas sociais simplesmente rebatizam de “justiça ambiental” a perene e incontornável luta pelos direitos dos deserdados da Terra, insto é, a “justiça social”. Mas como dizia um dos lemas da campanha de fundação do Instituto Socioambiental (ISA), “socioambiental se escreve junto”. Parece-nos necessário, em suma, entender a noção de ecologia política como um pleonasmo meramente enfático, não como um compromisso conceitural híbrido, um “arranjo” entre uma Natureza e uma Cultura que, dessa forma, continuariam a dar as cartas, agora apenas por debaixo do pano. Mas talvez estejamos lendo de modo excessivamente pouco compreensivo o importante “call to arms” de Pálsson et. al., e nos desculpamos por compreendermos mal.

     

 

FONTE:  Danowski, Débora e Castro, Eduardo Viveiros de. Há mundo por vir? Ensaios sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie / Instituto Socio Ambiental, 2017, p. 23-27.

Conteúdo relacionado a Diante de Gaia.

[wpmem_form login]


Postagens recentes


Veja outras postagens sobre este livro:

[display_search_form]

livro da próxima caixinha

Comida comum

Neide Rigo

Faça parte do clube!

Assine o circuito hoje

Fique por dentro do debate contemporâneo

R$ 69,90

/mês

R$ 79,90

/mês

Você tem 0 leituras selecionadas