Por Julio Rubén Valdés Miyares, Universidade de Oviedo
A lenda do infrator justiceiro da floresta de Sherwood nasce no século XIII na Inglaterra. Em um reino onde as tensões sociais se intensificam, as baladas medievais podem revelar em seus versos heroicos o eco de acontecimentos reais?
A literatura e o cinema fizeram de Robin Hood um dos mais populares personagens ficção. As aventuras desse rebelde na floresta inglesa de Sherwood, apoiado por seus companheiros e sempre pronto para tirar sarro do odioso xerife de Nottingham enquanto cortejava sua amada Lady Marianne, criaram o seu lugar no imaginário coletivo.
Então, Robin Hood se tornou o modelo do bandido justiceiro, que redistribui a riqueza roubando dos ricos para dar aos mais pobres. No entanto, trata-se de uma versão fictícia do personagem, muito distante da realidade histórica de bandidos e foras-da-lei medievais que deram origem à lenda na Inglaterra do século XIII.
Esforçando-se para equilibrar realidade e ficção, numerosos historiadores tentaram identificar o misterioso bandido a um personagem histórico real. Em meados do século XIX, o arquivista Joseph Hunter descobriu um Robyn Hode que, em 1324, era criado do rei Edward II e em seguida deixou seu emprego, como no conto O Gesto de Robin Hood. Em que ele volta para a floresta cansado da corte. Não há evidências, no entanto, de que este Hode fosse um fora da lei.
Mais recentemente, Graham Phillips e Martin Keatman cruzaram uma grande quantidade de dados históricos com as lendas, para concluírem que Robin Hood seria uma mistura de três indivíduos distintos: um agricultor banido da floresta de Barnsdale por volta de 1225; Robert Hood de Wakefield, um soldado do exército rebelde do Conde de Lancaster que, em 1324, estava a serviço de Eduardo II (que coincide parcialmente com o Robin Hood defendido por Hunter); e Fulk Fitz-Warine, um dos barões que se opuseram ao rei João entre 1200 e 1215.
O próprio Fulk Fitz-Warine se tornou um herói lendário e o personagem principal de um romance escrito por volta de 1325. Diante dessa hipótese, a única certeza é que os documentos dos séculos XIII e XIV contêm várias referências a caçadores clandestinos, ladrões de estradas ou criminosos em fuga, chamados de “Robin Hood” ou de nome semelhante. Uma das menções mais antigas vem de um registro judicial em Yorkshire, no norte da Inglaterra, que cita a expropriação de um certo Robert Hod em 1226, descrito como fugitivo.
Em 1262, encontramos menção semelhante de um certo William Robehod, mas em Berkshire, no sul do país. Provavelmente trata-se do mesmo personagem de um documento do ano anterior, designado como “William, filho de Robert, o Fevere”, membro de um abdo de foras-da-lei. Em 1354, em Northamptonshire, é notada a existência de um homem chamado Robin Hood, preso aguardando julgamento por delitos cometidos na Floresta Rockingham.
Essa diversidade de evidências sugere que não havia um único Robin Hood, mas que trata-se de um apelido ou nome dado aos bandidos, usado em diferentes lugares e épocas da Inglaterra medieval. Um episódio em 1441 é significativo: um grupo de proprietários rurais de South Acre, em Norfolk, bloqueia a estrada gritando: “Somos homens de Robin Hood, guerra, guerra, guerra! E ameaçam assassinar um magistrado. Em 1296, “Robynhod” aparece pela primeira vez como nome de família: é sobrenome de um homem chamado Gilbert, do condado de Sussex, no sul do país. Diferentes lugares, principalmente em torno de Barnsdale, a floresta em que começaram as aventuras de Robin, receberam nomes como “Robin Hood Cave”, “Robin Hood Field” ou “Robin Hood Cross”.
CANTADO PELOS TROVADORES
Para além da existência histórica de um verdadeiro Robin Hood, sabemos que, desde o início do século XIII, surgiram lendas e canções em torno desse personagem, mesmo que os primeiros textos preservados datem de meados do século XIV. Como a maior parte da literatura medieval é oral, podemos considerar que os textos escritos que chegaram até nós são apenas a ponta do iceberg.
Se, antes do século XV, os textos sobre Robin Hood eram fragmentários e se limitavam a alusões dispersas, a sua quantidade e diversidade não deixa dúvidas sobre a crescente popularidade de sua lenda. No século XV, as histórias das aventuras do fora da lei vêm em uma composição literária específica: a balada. Como as canções de gesto francesas ou os romances espanhóis, as baladas inglesas eram um gênero sobretudo oral. Talvez, em alguns casos, sua origem mais distante deva ser procurada em canções compostas por um trovador ou menestrel para relatar fatos que ele testemunhou. Após sua criação, uma balada passou de boca em boca, e seus detalhes evoluíram ao longo de gerações, até que alguém decidiu fixá-la por escrito.
As mais antigas e conhecidas baladas sobre Robin Hood, Robyn e Gandeleyn e Robin Hood e o monge datam de meados do século XV. Na primeiro, ainda não reconhecemos Robin, porque, embora ele seja retratado em seu ambiente habitual, caçando veados na floresta, ele aparece sem o sobrenome Hood. Nessa balada, ele é morto pela flecha de um certo Wrennok e vingado por Gandeleyn. É em Robin Hood e o monge que figura familiar de Robin Hood é completamente desenvolvida, com pequeno João e outros homens alegres (merry men) do bando, como Much e Scathlock (mais tarde conhecido como Scarlet, “O Escarlate”). O herói confronta o monge corrupto e o xerife, e arrisca sua vida para ir rezar para a Virgem em uma igreja em Nottingham, mas se mostra constantemente leal à Coroa. No século 16, as baladas se multiplicam graças à imprensa.
Surge então O Gesto de Robin Hood, a história mais longa e completa sobre um fora da lei medieval. Essa balada parece resumir episódios diferentes com origens separadas e que circularam oralmente antes de serem copiadas e impressas. Robin Hood também se tornou famoso graças ao teatro popular. Suas aventuras foram levadas ao palco nas festas da primavera (May Games), em que se via Robin Hood lutar ferozmente – em uma dança de guerra chamada “Morris Dance”. ou “mourisco”, talvez de origem ibérica -, duelos de espadas ou competições de arco e flecha. Enquanto rei de maio, Robin Hood tinha uma rainha, Lady Marianne, uma figura romântica que aparece pela primeira vez.
As peças foram usadas para arrecadar dinheiro em benefício dos pobres da comunidade. Aproveitando a fama do personagem, os verdadeiros criminosos se disfarçaram de Robin para aterrorizar os viajantes na floresta. Havia até tumultos em seu nome, como a revolta de artesãos que ocorreu em Edimburgo em 1561. Portanto, em 1578, a Assembléia Geral da Escócia pediu ao rei que proibisse os dramas de “Robin Hood, o Rei de maio”.
No século XVI, a fama de Robin Hood alcançou os palácios de nobres e reis. Dizem que em 1509, no ano seguinte ao de seu casamento com Catarina de Aragão, Henrique VIII, que tinha apenas 18 anos de idade, irrompeu na alcova de sua esposa disfarçada de Robin Hood com 11 nobres, para assustar a rainha e suas damas com danças e jogos. Seis anos depois, quando o casal real passou por um lugar chamado “Colina Tirailleurs”, 200 homens vestidos de verde surgiram convidando-lhes a mergulhar nos bosques, onde um jantar de caça e vinho os esperava. Uma apresentação de arco e flecha e uma oportunidade de aprender sobre a vida dos bandidos. Evidentemente tratava-se de uma mascarada orquestrada pelo rei.
UM SONHO DE RESISTÊNCIA À AUTORIDADE
O sucesso da lenda está relacionado à maneira com a qual as pessoas se identificam com o personagem. Que tipo de bandido é representado nas baladas? O historiador Eric Hobsbawm considera que Robin incorpora o ideal do bandido justiceiro típico do campesinato livre, um caso semelhante ao dos cossacos na Rússia ou dos haïdouks na Hungria e nos Bálcãs.
James Holt afirma que as histórias do fora da lei foram concebidas no contexto de lares aristocráticos e refletiam mais o descontentamento da nobreza do que o do campesinato; daí a amizade de Robin com o cavaleiro Sr. Richard no Lee, que ele ajudou a recuperar o domínio do qual fora injustamente expropriado. Outros pesquisadores vinculam a mentalidade de Robin Hood às fraternidades e corporações artesanais de cidades pequenas ou, de modo geral, a uma classe média de plebeus e camponeses apanhados entre o declínio do feudalismo e o capitalismo emergente. Finalmente, historiadores contemporâneos, como Stephen Knight, concluem que não se pode atribuir a ele um contexto social único, mas que Hood sempre incorporou um sonho de resistência à autoridade.
De qualquer forma, deve-se enfatizar que as baladas inglesas medievais usam um termo específico, mas ambivalente, para designar Robin Hood e seus companheiros: yeomen. Originalmente, significava “jovem servo” (young man) e aplicava-se aos servos de alguma importância nas casas nobres. Em O Gesto de Robin Hood, o fora da lei é chamado de “yeoman do rei”, mas ele tem nostalgia da floresta e abandona seu cargo. Quando designamos Robin como “homem da floresta”, ele pode ser um simples caçador ou um guarda florestal em rebelião.
No século XIV, os yeomen também eram proprietários autônomos de terras, colocados socialmente acima de camponeses que alugavam uma área rural (lavradores) e abaixo de cavaleiros (cavalheiros). “Os bispos, você os derrotará”, foi o que levou alguns pesquisadores a associar a ideologia de Robin à grande revolta camponesa que eclodiu em 1381.
Partindo de um protesto contra os impostos de guerra e os abusos feudais, a revolta se espalhou por vários municípios do sul e do leste da Inglaterra, bem como por alguns locais isolados do norte. Os rebeldes não eram apenas camponeses, mas também artesãos e aprendizes, e provavelmente havia ali numerosos yeomen entre eles.
Os revoltados até ocuparam Londres e forçaram o rei a negociar pessoalmente com seus líderes. Eles não tinham nada contra a pessoa do monarca, Ricardo II, que era apenas um adolescente de 14 anos de idade, mas contra seus maus conselheiros, clérigos abusivos, oficiais estrangeiros arrivistas e oficiais corruptos, muitos dos quais foram linchados. Finalmente, a revolta foi reprimida com sangue, mas os impostos foram reduzidos, e o episódio serviu de alerta sobre a capacidade do povo de responder aos abusos. Este é precisamente o espírito que as baladas refletem.
No início do Gesto de Robin Hood, Robin lembra ao Pequeno João que eles nunca devem prejudicar “um fazendeiro que trablha com o seu arado”, nem qualquer homem da floresta como eles, “nem cavaleiro nem a um escudeiro “, mas que os “bispos e arcebispos você pode bater e amarrar”. Acima de tudo, eles tiveram que direcionar sua raiva contra o xerife de Nottingham, a encarnação da arbitrariedade e crueldade da nobreza. E foi isso que fazem.
Na sociedade medieval, onde os cadáveres eram expostos enforcados em encruzilhadas, os chefes e membros de traidores pendurados nas portas dos vilarejos. Asbrigas entre nobres ou camponeses frequentemente terminavam em sangue, e a violência e a crueldade eram padrões aceitos que encontramos nas baladas. Em O Gesto de Robin Hood, o herói perfura o xerife com uma flecha antes de decapitá-lo. Em Robin Hood e o monge, o Pequeno João mata não apenas o monge que o traiu, entregando-o ao xerife, como também o jovem aprendiz que o acompanhava, para que ele não o denunciasse. Em várias baladas, a morte de Robin é sanguinolenta: sob o pretexto de um sangramento, a prioresa de Kirklees o esvazia de seu sangue, para que seu amante pudesse aproveitar a fraqueza de Robin para apunhalá-lo.
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Tradução: Maria Chiaretti.
FONTE: Artigo disponível em https://www.nationalgeographic.fr/histoire/robin-des-bois-t-il-vraiment-existe