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Projeto “Amazônia 4.0”: Definindo uma Terceira Via para a Amazônia.

Por Ismael Nobre e Carlos Nobre​

Qual é a real vantagem do Brasil em relação às demais nações do globo? Temos tudo para nos transformarmos em uma verdadeira potência ambiental e nos tornarmos líderes mundiais da economia circular. Quando o critério é biodiversidade, somos o número 1 do planeta, seguidos de Colômbia e Indonésia. Saberemos aproveitar essa incomensurável riqueza como um ativo de desenvolvimento econômico, tecnológico e social? 

O caminho para atingirmos esse nobre objetivo é mergulhar de cabeça nas infinitas possibilidades da bioeconomia, aliando o conhecimento de nossa biodiversidade às possibilidades da Indústria 4.0. Apostar e investir em um modelo que nos coloque sempre à frente da concorrência. Retomar, ampliar e aprofundar nosso compromisso com a conservação do planeta, cumprindo as metas assumidas pelo país no Acordo de Paris (2015), tornando-nos exemplo para uma sociedade global cada vez mais consciente e preocupada com a crise ambiental e sua dimensão climática. 

Certamente não é o caso de nos contentarmos em ser apenas uma potência agromineral, eterna fornecedora de commodities para as nações industrializadas e pós-industrializadas. Até quando seremos um grande país com alguns bolsões de riqueza, que vende produtos de baixo valor agregado e alto impacto ambiental, e compra produtos manufaturados e tecnológicos de alto valor, seguindo a mesma lógica que caracterizou a nossa história desde os tempos da colonização? 

A Amazônia, obviamente, está no centro de nossos desafios enquanto nação soberana, livre e independente. Recuperar e fortalecer a imagem do Brasil como gestor eficiente e inteligente da Amazônia certamente beneficiará nossa economia como um todo. Mas os maiores beneficiados de um novo paradigma de desenvolvimento, a economia da floresta em pé, preservada e produtiva, serão os estados amazônicos e seus habitantes. 

Ao optar pelo desenvolvimento econômico e social sustentável, firmemente alicerçado no respeito à biodiversidade e nas tradições e modos de vida locais, e ao mesmo tempo tirando proveito das potencialidades da Indústria 4.0, o projeto Amazônia 4.0, que detalhamos neste artigo, une idealismo e realismo em um conceito poderoso e inovador. 

A questão relevante 

É possível conciliar desenvolvimento econômico da Amazônia e conservação da floresta tropical? Nas últimas duas ou três décadas, o debate nacional se dividiu entre duas visões opostas, com tentativas insuficientes de conciliação entre elas. De um lado, o caminho de isolar completamente grandes extensões de selva para fins de conservação (doravante referida como “primeira via”). De outro, a defesa de um modelo de desenvolvimento “supostamente sustentável” que incluiria agricultura/pecuária e mineração (doravante referida como “segunda via”). 

A realidade está mostrando que nenhuma dessas vias, ou mesmo a hipótese de uma convergência entre elas, está trazendo resultados satisfatórios pelas razões óbvias de que a constante expansão da fronteira para produção de commodities, especialmente carne bovina e mineração em escala industrial, impulsionam o desmatamento. Outro problema são os planos de construir infraestrutura para produção de energia na região amazônica (hidrelétricas). 

A diminuição do desmatamento da Amazônia registrado entre 2005 e 2014 (cerca de 80% de declínio) — ainda que nos últimos anos e em especial no biênio 2018–2019 tenham sido observados níveis alarmantes de destruição da floresta — parece ter aberto uma janela de oportunidade para pensar em um novo paradigma de desenvolvimento sustentável: a Terceira Via Amazônica. 

As florestas da região amazônica são consequência de milhões de anos de evolução no decorrer dos quais a natureza desenvolveu grande variedade de ativos biológicos (alimentos, moléculas únicas, genes da vida, vias metabólicas etc.) em ecossistemas aquáticos e terrestres, processo que resultou em enorme biodiversidade e extraordinária riqueza de produtos naturais. Esses ativos biológicos e os biomiméticos (relativo às funções e aos processos presentes na natureza) estão sendo cada vez mais valorizados pela Quarta Revolução Industrial (ou Indústria 4.0) para a elaboração de produtos farmacêuticos, cosméticos e alimentícios, ou até mesmo na pesquisa de novos materiais, soluções energéticas e de mobilidade, com significativo potencial de lucro. 

No entanto, até o momento toda essa riqueza latente está longe de ser devidamente aproveitada e canalizada de volta para a região, tanto para conservar esse bioma único como para melhorar as condições de vida dos indígenas, dos caboclos, dos ribeirinhos, dos antigos colonos desassistidos e mesmo das cidades enraizadas na Amazônia. 

Na nossa visão, a Terceira Via Amazônica representa uma oportunidade emergente para desenvolver uma “economia verde” que aproveite todo o valor de uma “floresta produtiva permanente” para, com a ajuda de novas tecnologias físicas, digitais e biológicas já disponíveis ou em evolução, estabelecer um novo modelo de desenvolvimento econômico socialmente inclusivo. 

Sim, é possível criar as condições para o florescimento de uma bioeconomia vibrante e inclusiva, que respeite a floresta e seus rios, a fauna, a flora e os povos tradicionais amazônicos, mas os desafios não são poucos nem pequenos, entre eles o fato de a Amazônia ainda estar em grande medida desconectada dos centros de inovação tecnológica 4.0 e de bioeconomia mais avançados do planeta.

Terceira via: uma bioeconomia com raízes profundas na Amazônia

Então o que pode ser feito? A crise climática e a ameaça global à biodiversidade exigem soluções inovadoras como o conceito de uma Terceira Via Amazônica, que propõe um novo paradigma de desenvolvimento sustentável para a região. Um modelo que utilize todo o conhecimento propiciado pelas ciências, pela tecnologia e pela inovação e planejamento estratégico para o florescimento de uma bioeconomia baseada na ideia de uma “floresta em pé com os rios fluindo, valorização da biodiversidade e do trabalho sustentável das comunidades locais”.

Essa economia inovadora deve ter raízes profundas na Amazônia e não ver a região apenas como local de extração/produção de insumos primários a serem aproveitados pela bioindústrias de lugares distantes. Deve também gerar bioindústrias locais e diversificadas, produtos de valor agregado em todos os elos da cadeia de valor, empregos e inclusão social.

Listamos abaixo alguns exemplos de produtos baseados em ativos biológicos da Amazônia com alto valor agregado (potencial ou realizado). Existem fragrâncias para perfumes como o óleo de pau rosa, cotado a 200 dólares o litro, usado como componente de perfumes clássicos como o Chanel Nº 5. O óleo de amêndoa de castanha do Pará, usado em cosméticos e vendido a 30 dólares o litro, quando comercializado em cápsulas como suplemento alimentar, chega a valer 150 dólares o litro.

A ucuúba, que era usada sobretudo para fazer cabo de vassoura, ganhou novo valor depois que uma pesquisa identificou que a manteiga feita a partir desta planta tem enorme potencial na indústria de cosméticos. Hoje, a renda anual gerada por uma árvore de ucuúba em pé é três vezes maior do que a gerada com o corte da mesma árvore, o que reforça o argumento da viabilidade do aproveitamento da biodiversidade de forma inteligente e sustentável.

Mas o mais eloquente caso de sucesso entre os produtos agroflorestais é o açaí, que pode ser manejado tanto em pequena como em larga escala. Até 1995, era consumido basicamente na região Norte, mas nos últimos 20 anos conquistou o resto do país e mercados globais. Presente em quase todos os municípios da região, o lucro líquido da produção de açaí varia de 200 dólares por hectare por ano em sistemas não manejados a até 1.500 dólares por hectare por ano em sistemas agroflorestais manejados (valores para o estado do Pará).

A produção de polpa de açaí já ultrapassa 250 mil toneladas por ano, beneficia mais de 300 mil produtores e agrega pelo menos 1 bilhão de dólares à economia amazônica a cada ano. Estados Unidos, Europa e Japão, entre outros, são grandes consumidores. Pesquisa da Embrapa mostrou que, a partir do pigmento antocianina presente no açaí, é possível produzir um evidenciador de placa bacteriana dental com potencial de trazer grandes benefícios para a saúde bucal a baixo custo.

O camu-camu possui 1.888 mg/100 g de vitamina C, enquanto a laranja contém apenas 53 mg/100 g e a tangerina com 112 mg/100 g. O buriti tem duas vezes mais vitamina A do que a cenoura.

As plantas da Amazônia contêm segredos bioquímicos, como novas moléculas, enzimas, antibióticos e fungicidas naturais que podem ser sintetizados em laboratório e resultar em produtos de alto valor. As formigas cortadeiras utilizam algumas folhas como manta para cultivo de fungos e evitam deliberadamente outras folhas ricas em fungicidas naturais. Um estudo das espécies de plantas que as cortadeiras evitam pode ajudar a identificar novos fungicidas naturais muito eficientes. Também o estudo do genoma das espécies pode facilitar esse processo.

E ainda há moléculas utilizadas na indústria de bioenergia como a enzima Beta glicosidase amazônica, descoberta recentemente em um lago da Amazônia, que quando utilizada na fabricação de etanol de cana de açúcar, resulta em aumento de produtividade de até 50%.

Na flora brasileira como um todo, mais de 240 espécies de plantas são utilizadas como base de produtos cosméticos e farmacêuticos e 36 delas como base de medicamentos fitoterápicos, mas o potencial é infinitamente maior. Na flora amazônica, existem mais de 450 espécies já conhecidas e utilizadas tradicionalmente, mas quantas delas podem se transformar em ativos econômicos tão valiosos e rentáveis como o açaí ou o chocolate de cupuaçu? E, a partir de pesquisas realizadas com centenas de novas espécies descobertas todos os anos na região, quantos novos produtos podem surgir?

Por fim, a biodiversidade é a origem do conhecimento biomimético, em que estruturas e processos da natureza são estudados e traduzidos em conceitos, princípios e processos para gerar novas soluções tecnológicas. Qualquer que seja o insumo utilizado, biológico ou biomimético, é possível desenvolver cadeias de valor de base local agregando as novas tecnologias da Quarta Revolução Industrial.

O fato é que a Amazônia encerra um infinito de oportunidades de encontrar funcionalidades para atender às mais diversas necessidades humanas no século 21. Cabe a nós, brasileiros, liderarmos as pesquisas para nos apropriarmos de todo esse conhecimento.

Conteúdo relacionado a Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza.

FONTE: www.plataformademocratica.org

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