No fim de 2016, com o referendo do Brexit e Donald Trump prestes a entrar na Casa Branca, a antropologia do atlântico norte anglófono estava agitada. Agora que a onda mundial populista finalmente chegou as nossas fronteiras, o que e faremos sobre isso? Na introdução ao colóquio Antropologia Cultural Hot Spots, sobre a ascenção do trumpismo, Bessire & Bond (2017) anunciaram um desafio para nosso tempo: “Como respondemos a esse desafio definirá o futuro de nossa disciplina”. Essa resposta requeriria um deafio para além dos poderes ordinários: “Nossa magia talvez não funcione para uma tarefa tão vigorosa. Mas há apenas uma forma de descobrir” (Bessire & Bond 2017). Naquele momento a antropologia parecia, curiosamente, ao mesmo tempo relevante como nunca e quase completamente distante de acertar. A crescente maré política foi “um anátema para além de tudo e qualquer coisa que já foi representada pela antropologia” (Bangstad 2017a). Agora todas as forças são necessárias para reivindicar a voz pública da disciplina.
Alguns sugeriram que antropólogos precisavam descer de nossas torres de mármore e encarar o trabalho braçal:
A atual ascenção de preconceitos étnicos, raciais e religiosos, em toda a Europa – e nos Estados-Unidos – é uma chamada à ação para nós enquanto acadêmicos… Enquanto deveríamos com certeza continuar nosso trabalho acadêmico com as nossas melhoras habilidades, também temos a responsabilidade de engajar nosso trabalho com públicos múltiplos, para desestabilizar e desafiar as elites políticas que fomentam a xenofobia e o nacionalismo”. (Stein 2016)
Nas irretocáveis palavras de Fischer (2017), a antropologia tinha de “reiventar a si mesma como uma voz pública vital, mobilizando sociedade e promovendo valores do bem social para os mundos contemporâneos que estão emergindo entre nós”.
Mas o que, de concreto, essa reinvenção envolveria? A ansiedade de 2016 já arrefeceu, mas as perguntas permanecem. O engajamento dos antropólogos em relação ao populismo requer algum tipo de práxis radical? Seria o momento de reengajar diretamente com questões de classe? E se sim, então o que fazemos com o fato de que classe parece ter se tornado um preditor excessivamente pobre de afiliação política? Como nos agarramos a um projeto de pesquisa lento – “trabalho que é ao mesmo tempo oportuno e leva tempo, e que é ao mesmo tempo empírico e imaginativo” ( Tamarkin 2018, p. 306) – em um mundo onde o efeito de castigar o público em um estado de crise normalizada é uma forma elementar de arte estatal (Bangstad 2017b; Masco 2014, 2017)?
Este artigo explora a profunda provocação que o populismo coloca à antropologia. Cientistas políticos tem, nos últimos anos, desenvolvido toda uma subdisciplina de estudos sobre o populismo (ver, por exemplo, Rovira Kaltwasser et al. 2017).
Fonte: Universidad Alberto Hurtado
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